janeiro 30, 2005

Excedente

Se pudesses olhar,
verias que eu estou caído.
Se pudesses escutar,
verias que choro sangue.
Se pudesses tocar,
sentirias a minha carne putrefacta.
Se pudesses cheirar,
saberias o aroma da Morte.
Se pudesses saborear,
eram lágrimas que beberias.

Insistes em ficar longe,
longe dos sentidos;
insistes em controlar a vontade
que tens de me sentir
perto de ti
e de me enrolar
no manto da noite fria
para te consolar as mágoas
de quem te não queria.

Fica então.
Morro eu
mas morrerás tu também
e no fim o que ficar
será para alimentar
a Terra Mãe.

janeiro 27, 2005

Condição humana

Caem gotas de água
como navalhas afiadas.
Caem vidas em mágoa
pelas penas suportadas.

O grito primevo
que ao Homem deu essência
foi coisa de pouco relevo
feita com imprudência.
A chama que lhe aqueceu a alma,
de animalesca não passou;
O sopro que lhe insuflou o peito
era sopro fero de furação.

Ao estender a mão, olha para cima.
Verás sobre ti a ígnea presença
que tudo anima
mas que sem condolência
te fere e oprime a essência.

Se odiar o dia
é amar a noite,
amar a noite é amar a vida.
A vida sangrenta
que escorre fel
das feridas tapadas com mel
envenenado.

Monstros

Cortes acidentais,
vozes mortais.
Vós dilacerais vossas almas
esperando que vos siga.

Gritos penetrantes,
dores lancinantes
e torturas de carrascos errantes:
tudo para me vergar a vós.

Não silenciarão mais esta voz,
que se tornará una apenas consigo mesma
na fortaleza da solidão
para lá da Lua sangrenta
de mau presságio prenha
que a todos atormenta
mas que minha alma aconselha.

Arrancar-vos-ei os dentes
com meus cotos ensaguentados,
pois só com braços amputados
me imobilizarão a pena.
Rasgar-vos-ei as essências de falsidade,
mostrarei ao mundo vossa monstruosidade.
Temei!

janeiro 26, 2005

Espelho

Olha para a chuva que cai,
olha para o voo do pássaro negro,
olha para quem eras e quem és
e pensa se fazes cá algo!

Torna-te aquilo que eras:
mero estrume,
parte da terra.
Nega ao teu coração amarrado
o sofrimento de ser de amor privado
e toma nas mãos a faca fatal
entrando na recta final
de uma perdição ditada
por uma alma sempre amaldiçoada.

De que te serve continuares a respirar
se estás morto e enterrado?
Junta ao corpo a pútrida alma
para seres de facto finado.