abril 30, 2005

Lágrimas

Sinto-as...
Invadindo meus olhos,
Turvando tua doce imagem
Que de mim se afasta

Sinto-as...
Escorrendo, solitárias,
Trilhando minha face
Como tantas outras vezes.

Sinto-as...
Distorcendo meus pensamentos,
Trazendo-me à mente
Estranhos e obscuros presságios.

Sinto-as...
Dilacerando meus sonhos...
Aqueles em que partilho contigo
Um futuro de mil sorrisos

Sinto-as...
Estilhaçando meu coração,
Culpando-me da paixão
Que nutro por ti...

Sinto-as...
Quebrando os pesados grilhões
Que mantêm segura
A minha insanidade sem cura

Sinto-as...
Tornarem-se mais fortes
A cada passo que dás
Sem olhar para trás

Sinto-as...
Recordar felizes momentos
Que passámos juntos,
Antes deste triste luto.

Sinto-as...
Questionando-se...
“Porque partes?”
“Porque me deixas?”

Sinto-as...
Guardando apenas memórias
Como se elas pudessem fugir
Atrás de ti...

Sinto-as...
A querer gritar...
A suplicar
Para que possas voltar

Sinto-as...
A reter nelas
A triste emoção
De chorar sem razão

Sinto-as...
Tolas,
A cair desalmadamente
Apenas por temerem...

Sinto-as...
Sem as sentir...
Sinto-as...
Dentro de mim...

São apenas o triste reflexo
Do meu medo sem nexo
De que um dia possas fugir
E meu coração partir.

São a triste realidade
De uma alma abandonada
Que apenas teus lábios quer beijar
Apenas a ti quer amar.

Sempre que te afastas
Levas contigo
A melhor parte de mim...
A parte que é feliz.

Só contigo faço sentido
Só a ti mostro meu sorriso,
Longe de toda a dor,
Admirando teu esplendor.

Sinto-as...
A sorrir...
Pois sei que não vais partir,
Que de mim não te vais despedir.

Sinto-as...
Renovadas de esperança
Que nossos lábios um dia possam
Forjar nova aliança

Sinto-as...
Saudosas de teu abraço,
Do carinho de tuas palavras
Que guardo como sagradas.

Sinto-as...
Estas minhas lágrimas
Que são como uma parte
Que de mim quer fugir
Para te seguir
E nunca mais te ver partir...

abril 21, 2005

Sem pausa até ao fim

Intensamente povoado
de negros desejos
e de mortais ensejos
de morte e destruição
que viro contra o espelho
procurando na minha reflexão
odiar o reflexo claro
que sinto ser uma miragem
ou uma qualquer ilusão
que me atormenta
sem conter em si verdade alguma
ou qualquer prova
de possibilidade
de satisfatória redenção.

Mortalmente tentado
a seguir um caminho
descendo aos infernos
que gelam os mortais corações
dos vulgares ladrões
das nobres emoções
que pululam
por este mundo infecto
e tentam cravar
suas nojentas ventosas
nas carnes leitosas
das virgens que choram
à beira do desespero pleno
da vergonha opressora
dos seus estatutos.

Cortando as suas vias
e tentando exprimir
em palavras vazias
um mundo inteiro
na ponta de uma caneta
que está gasta
e que não mais comportará
outros semelhantes
afluxos mais brilhantes
de negro fel.

[Como complemento a este texto, também da minha autoria.]

abril 09, 2005

Um leve acordar

Sinto em meu redor
O ressurgir de um silêncio
Tão interiormente apetecido
Que facilmente se torna acolhido

Cautelosamente, ele me toma,
Envolve-me em calmas sombras
E cobre meu triste ser
Num manto de solidão
Para me tentar aquecer

Tudo o que quero
É este mundo esquecer
Pois já me causou demasiado sofrer
Neste longo tempo
Em que pensei estar a viver

Não quero mais gritar.
Não quero mais chorar.
Minha dor vou abraçar,
Esperar que meus sonhos me guiem
Para o mais belo lugar.

Só, eu permaneço
Neste doce e viciante silêncio
Que temo sempre quebrar
Ao mais pequeno movimento
Instigado por um sofrido lamento

Está ainda uma vela acesa
Com sua chama tremeluzente
Que lembra o desespero que se sente
Quando a luz tentamos alcançar
Sem nunca sequer a conseguirmos tocar.

E a luz apaga-se...

Vêem-se leves desenhos de fumo
Que depressa se misturam
Com o ar de negras brumas.
E devoram-me, então,
Os pensamentos num turbilhão.

As vozes na minha mente
Rasgam o frágil silêncio.
Oh, calma preciosa,
Foste agora dilacerada
Por uma mente renegada...

Sinto minhas mãos
Cobrirem meus ouvidos,
Em vão...
Pois é dentro de mim que elas estão
Tentando apunhalar meu coração

Já não consigo viver
Uma vida sem emoção.
Quero lutar,
Para não mais rastejar
Na lama dos teus pecados

Sinto-as invadir meus olhos,
Turvar minha visão,
Humedecer minha face
Como se de um rio se tratasse.
Eis as minhas solitárias lágrimas

Algo toca minha mão
Com uma suavidade sem expressão
E eis que ele regressa
Deixando-me expectante
Para o que me rodeia.

Doces palavras surgem
Como doces beijos.
Sussurros de amor
Que com paz e esplendor
Acalmam minha dor

Procuro,
Mas nada vejo.
As sombras não me permitem a visão
De quem abraça meu corpo
Para me proteger da escuridão

Sinto-te comigo,
Sinto-te em mim.
Estás comigo, mas não aqui.
És tu um anjo
Que me envolve em suave encanto?

Deixa-me ouvir tua voz
Tão preenchida de harmonia
Que me prende numa melodia
Que anseio escutar a cada manhã,
Agora, hoje, amanhã...

Regresso à calma.
Pensava eu que ela,
Alegre e sedutora,
Do silêncio era detentora,
Mas eu estava enganada.

Deixa-me tocar tua mão,
Beijá-la,
Acariciá-la,
Para que possas sentir o calor
Da minha devoção.

A ti devo a alegria,
Pois sem ti estaria ainda perdida
Na minha triste mentira,
Escondida na máscara perdida
Por mim construída

Quero voltar a sorrir,
Ver as nuvens partir,
E não mais voltar a sentir
O corroer do meu mundo
Que escondia em segredo absoluto.

Beija-me, belo anjo,
Deixa-me sentir tua doçura,
Tua ternura.
Quero sentir o sabor
De um beijo de amor

Ensina-me a viver
Os anos que senti perder
Escondida no meu sofrer
Em que me limitava à cegueira
Que minh’alma ainda queima.

Finalmente anseio abraçar
A luz que pela janela quer espreitar.
Apesar de não a conseguir tocar
Sei que pelo menos vou tentar
Minha vida mudar

Não te quero ver partir,
Não quero tua vida decidir,
Peço-te, apenas,
Que partilhes comigo a noite
Dançando sob as estrelas...

abril 03, 2005

Fugaz momento

Ridiculamente procuro perseguir
as pegadas que deixas no ar
e tentar de todas as formas sentir
o aroma que se está a dissipar.
Todas as feridas que tenho em mim
conseguem abrandar a sua insistente latência
para me permitir uma dormência
de palavras abençoada.

Instintivamente procuro
as linhas que separam os nossos corpos
e na fusão da carne,
acto impossível da ilusão da mente,
encontro uma realidade finalmente conseguida.

Roço o meu corpo no teu
e tento ver se existes.
Soubesse eu quem és
e veria também se a mim resistes.
Sou sombra manchada de luz,
sou aquele que à loucura conduz,
sou um desejo que se tem à noite,
sou aquele que caminha ao lado da foice
e que olha, circunspecto,
vendo as linhas do desejo
que se desenham nas mentes etéreas
das almas concupiscentes
cujas grilhetas férreas
as têm dominadas.

Se o bater do relógio
te não engana,
soam as horas
de entrares na cama.
De te fazeres carne e sangue,
desejo e carência;
que te preencham
todos quantos queiras
na minha ausência.
Sinto a tua dependência
mesmo nas letras das cartas
e no perfume que derramas
sobre promessas insanas
de um amor eternamente condenado.

Depois, a pequena morte.