fevereiro 22, 2005

Sentido único

Cortam a minha vida
como se fosse um azedo limão
procurando que eu seja
bode expiatório
das quezílias mesquinhas
que sofrem a mãos de outrem.

Tentam manchar a pouca luz
que entra ainda na minha alma
como se fosse crime desperdiçá-la
em quem tenta ainda sobreviver.

Afiam as garras na minha pele
quase como se eu fosse de pedra
para poderem melhores golpes desferir
na minha carne ensanguentada.

Ainda não vos disse quem sou
e já me dizem quem sou;
ainda não pronunciei palavra
e parece que discursei
algo da minha lavra.
A carta em branco e não endossada
já foi por vós
aparentemente fechada e lacrada.

Apresentam-me o meu destino
como caminho inevitável
e esperam que o siga
com fé inabalável
nas tortuosas concepções
de normalidade e ilusões
com as quais se alimentam
- o veneno que vos corre nas veias.

Voltar ao estado
da mais pura inocência
seria para mim
maior traição
que a indolência insana
que é agora minha prisão.

Matem-me...
Ou tentem.
Quem consegue matar
quem morreu já
às mãos de iguais algozes
com iguais perícias ferozes?

A minha vingança,
não a vêem vós;
outros de outra luz a verão
e compreenderão
que não há salvação
na rejeição
da humana Razão
casada com o nobre coração.
Vós sois o meu estrume,
a nojenta substância
que faz crescer na noite
uma nova instância
de pensamento e fortitude.
I shall feast upon thee,
cruel executioners!

["I still remember the world
From the eyes of a child
Slowly those feelings
Were clouded by what I know now"
- Field of Innocence, Evanescence
... e a verdade é que não há retorno.]

1 Comments:

Blogger Fátima said...

e nós mudamos o mudamos mas somos inúteis aos olhos dos outros, que tentam modelar-nos à sua imagem, e nunca estão satisfeitos com o que vêm em nós. mas é preferível morrer a deixar que esses artistas da hipocrisia nos recriem a seu bel-prazer. porque nós somos nós, e na morte não deixamos de ser o que fomos, nos outros, e resistimos às suas mãos replectas de estúpidos tabus e palavras e gestos e escolhas politicamente correctos (mas quem é que decidiu o que era ou n politicamente correcto???).

1:37 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home